quarta-feira, 15 de julho de 2009

Recomendação de Leitura - Psicanálise na tela: Pabst, Abraham, Sachs, Freud e o filme "Segredos de uma alma"



Não se pode evitar o filme, ao que parece, como não escapamos do corte de cabelo à la garçonne, mas de minha parte não deixarei que cortem os meus, e pessoalmente, não quero ter nada a ver com este filme.

Sigmund Freud ( Correspondência Freud/Ferenczi)


Com esta frase do pai da Psicanálise, Patrick Lacoste inicia seu livro sobre o caso do filme que , pela primeira vez, considerou levar a metapsicologia freudiana ao conhecimento das massas. Psicanálise na Tela: Pabst, Abraham, Sachs, Freud e o filme Segredos de uma alma (Patrick Lacoste, Jorge Zahar, 1992) revela muito mais do que os bastidores do cinema alemão de Pabst; conta a estória dos bastidores do movimento psicanalítico nos anos vinte do século XX.

De leitura fácil e envolvente, o livro de Lacoste aguça a curiosidade de todo aquele que aprecia tanto o cinema quanto a Psicanálise. Seja qual for a sua paixão, vale a pena dedicar algumas horas de leitura agradável a este livro.


Para adiantar e informar os que não conhecem, o enredo do caso do qual o livro se ocupa é este: a 7 de junho de 1925, Karl Abraham, que então ocupa o cargo de presidente da Associação Psicanalítica Internacional, anuncia a Freud a iniciativa de Hans Newmann de rodar um filme a respeito das teorizações psicanáliticas, um modo de dar à nova teoria freudiana uma publicidade tal que a tornasse popular à epoca.


Segundo nos é contado no livro de Lacoste, Freud não recebe bem a idéia de ver suas teorizações expostas e encenadas na grande tela, por isso, recusa-se a tomar parte na colaboração como consultor, cargo este que é aceito por Abraham e Sachs.


Alguns pontos marcantes de Psicanálise na Tela podem ser citados aqui: o caráter revolucionário e questionador do diretor do filme G.W. Pabs revelado por pessoas que com ele trabalharam, bem como as constantes trocas de correspondências entre Freud e Abraham em que, basicamente, as divergências sobre a importância da realização de um filme que fale de Psicanálise são apenas o pano de fundo para que se perceba uma discussão mais ampla no que se refere à questões de poder e hierarquia no meio psicanálitico nos anos Vinte.


Não se pode esquecer, também, de alguns questionamentos que Lacoste propõe, o que faz o mais astuto leitor se perguntar, por que justamente Freud, que à epoca escrevia sobre as resistências à Psicanálise, se envolve em uma querela que evidenciava justamente uma resistência a levar a Psicanálise aos olhos do grande público, pois, de acordo com a correspondência à Abraham , o pai da Psicánalise, afirma:

" Não nego que preferiria não ver meu nome de forma alguma associado a isto". (p.25)


A verdade é que, apesar da restrição de Freud a ver sua obra ganhar as telas de cinema através da ilustração do que seria um caso clínico de um homem atormentado por fobias, neuroses, assombrado por pulsões sexuais recalcadas que teimavam em retornar em forma de sonho e alucinações , Freud não seria capaz de barrar o sucesso ou impedir que suas concepções um dia - através do filme ou não - ganhassem o conhecimento popular. Isto é o que revela uma comunicação feita especialmente para o lançamento do filme:


" Os trabalhos do professor Freud - embora sua obra fundamental, A interpretação dos Sonhos, publicada em 1900, tenha desde o início encontrado ferrenhos adversários - se propagaram, quanto às idéias principais, nos meios mais diversos, entre médicos e pedagogos assim como entre artistas e psicólogos" (p. 30)


Como se pode perceber, a obra de Freud já era conhecida nos mais diversos campos da Ciência, e, provavelmente o filme seria apenas mais um dos meios de divulgação dos conceitos freudianos, mesmo que isto fosse feito à contragosto de seu idealizador. Em todas as comunicações que precederam o lançamento da película, de acordo com o exame de Lacoste, pode-se ler termos como "alma", "modo de enlouquecer" e "monstros marinhos" para familiarizar o grande público com as teorizações psicanalíticas, uma espécie de sinopse do que seria apresentado no filme.


A alma, assim, é compreendida como hoje se compreende a noção de inconsciente; seria este termo, que figura num dos títulos do filme ( Consta que na França Segredos de uma alma também foi chamado de O estranho caso do Professor Mathias e À entrada do quarto de dormir) o equivalente, para os que idealizaram o filme, do inconsciente, posto que assume lugar privilegiado de morada dos chamados "impulsos inquietantes", "afetos selvagens", os denominados "monstros marinhos".


Longe de ser uma obra que pretende tomar partido sobre a atitude relutante de Freud em aceitar o empreendimento de Segredos de uma alma, " Psicanálise em tela" é um importante documento que registra o desenvolver não apenas da sétima arte, mas também da própria psicanálise, sendo a iniciativa da realização deste filme um episódio a mais envolvendo os precursores da Psicanálise e sobretudo, a divulgação das idéias freudianas.


Portanto, o leitor encontrará no livro de Lacoste mais do que curiosidades acerca de Segredos de uma Alma; terá acesso a um Freud em crise, sobretudo em crise com as consequências do próprio patriarcado, pois, toda a questão parece girar em torno disto.


Quanto ao filme? Ah, este é um ótimo pretexto.

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